sábado, 13 de novembro de 2010

timidez

é tão fácil dizer nada
quando se fala de amor.

eu que calo e que consinto
palavras que outros dizem
vejo-te sorrir e minto
a mim mesmo (o que é pior).

no silêncio em que sofro
imagino o que diria
se te visse a sós um dia
entre brumas de magia.

certamente estenderia
uma mão num cumprimento
e escoar-se-ia o tempo
sem dizer o que queria.

é tão fácil dizer nada
quando se fala de amor.

mas lerias epopeias
no sangue das minhas veias
numa implosão de rubor.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

deixa a roupa na entrada
desta porta que te abro
e vem nua, sem reparo
pela senda imaculada.

não repares no vazio
das paredes despojadas
nem nas folhas destroçadas
onde em letras te recrio

entra, e dir-te-ei porque me rio
porque choro, porque envolvo
porque te abraço como um polvo
e me aconchego sem ter frio.

entra, e faz-te minha sendo tua
essa vontade de ser gente
e marca em mim a transigente
alegoria da lua.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

de barro te moldei e dei-te vida
guardei em ti a luz e o calor
e do teu peito agreste fiz guarida
dum espírito fulgente e do amor.

deixei no teu olhar a mais sentida
volúpia de quimeras impensadas
e nos teus braços fortes retesadas
as cordas duma abrupta despedida.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

alentejo

a minha pátria tem cor
tem sons, cheiros, sabores
tem fragrâncias de licores
e sol que sabe a suor.

a minha pátria tem vida
tem sangue por nós vertido
e gente que traz consigo
o valor da despedida.
quando eu era grande esquecia o amor
perdia-me em formulas, destilava saber
e subia aos palcos sem me estremecer
sem voz embargada, sem qualquer rubor.

quando eu era grande conhecia o mundo
enumerava reis e brincava às embaixadas
e sabia que o mar é imenso e profundo
e que as suas areias são praias douradas.

quando eu era grande desconhecia o tempo.
mas um dia tornei-me pequeno, e foi então
que escutando só a voz do coração

deixei escorrer o tempo pela fresta
que espia circunspecta a noite escura
e ardi, como um poeta, de loucura
sentindo na garganta tal secura
que amar é tudo aquilo que resta.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

eu sou rei e sou herói
sou mais isto e mais aquilo
sou a dor que me destrói
sou a sombra que mutilo.
se em ti estou e adormeço
na dolência do meu choro
cubro o rosto por decoro
com as estrelas que conheço.
corte após corte feri o pulso
rasguei o sonho, quebrei o elo
e julgando matar o pesadelo
cedi o corpo ao negro impulso.
sangue, sangue, negro sangue
que destino me reservas
entre as tenras, frescas ervas
onde o corpo jaz exangue?
de saudades me construo
sou quase nada, mas sou
sou avanço e sou recuo
ando perdido, mas estou.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

não perguntes se te amo
se te quero ou te desejo
nem duvides do meu beijo
das palavras que te chamo.

não intuas nos meus braços
sentimentos que não tenho
se é por ti que me detenho
a sonhar outros cansaços.

nem queiras, amor, saber
por que chove o dia inteiro
se há tinta no tinteiro
ou se irei de nós escrever.

quarta-feira, 31 de março de 2010

alí estava a escada
que eu sempre subia
e de onde espreitava
o luar que fulgia.

ali estava o fruto
vermelho de doce
com ar impoluto
sem nódoa que fosse.

ali estava o sonho
tornado pecado
num ramo viçoso
jamais alcançado.

ali estava eu
pecando sem culpa
num desejo ardente
que o amor indulta.

segunda-feira, 22 de março de 2010

agora que choveu a terra freme
num regozijo intenso que arrepia
e deixa no céu limpo a luz do dia
que sobre o glauco mar ainda é creme.

sábado, 20 de março de 2010

os meus olhos vaguearam sem prisão
pelas curvas do seu corpo imaculado
e vencendo o meu pudor emancipado
duas piras soergueram de ilusão.

pelas ondas desse olhar tão navegado
naveguei sem contramestre ou capitão
à bolina dum amor desenfreado
que amainou pela força da razão.

mas saiba que eu sou todo coração
que é nobre o meu querer, o meu sentir
e verdadeira a ânsia de lhe ouvir
a voz ferindo o ar numa canção.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

nada lêem os meus olhos
os meus dedos nada escrevem
são como estéreis abrolhos
onde as rosas não se atrevem.

já floriram primaveras
entre os nós das minhas mãos
mas agora só há heras
entre gestos sempre vãos.

se tu lesses o que escrevo
escreveria novamente
sobre o amor a que devo
este mal estar de doente.
arranca do teu peito a voz truncada
grita a liberdade no teu grito
e cala para sempre esse proscrito
medo que amordaça a voz amada.

sê livre e livremente espalha o riso
com pétalas de sílabas trinadas
e num trinado límpido e conciso
canta do ocaso às madrugadas.

que a luz do grande sol te dê alento
para cantar aos homens ignorantes
e canta belos versos aos amantes
em pautas desenhadas pelo vento.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

ter-te,
é não te ter em coisa alguma
é mergulhar na doce bruma
dum sonho álgido e imbele
e ser a força que o impele
para uma meta que se esfuma.

ter-te,
não é estreitar-te nos meus braços
nem confiar-te nos cansaços
palavras mornas que adormecem.

Ter-te,
é simplesmente não ter nada
e ter assim justificada
esta vontade de perder-te.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

a ponta do meu lápis desce
na folha que se abriu ao meu olhar
e fica sobre ela a rabiscar
um traço irregular que cresce.

são letras e palavras que se alinham
são riscos, sublinhados, arabescos
são toscos alinhavos dos meus textos
são pensamentos meus que em mim definham.