sexta-feira, 29 de outubro de 2010

deixa a roupa na entrada
desta porta que te abro
e vem nua, sem reparo
pela senda imaculada.

não repares no vazio
das paredes despojadas
nem nas folhas destroçadas
onde em letras te recrio

entra, e dir-te-ei porque me rio
porque choro, porque envolvo
porque te abraço como um polvo
e me aconchego sem ter frio.

entra, e faz-te minha sendo tua
essa vontade de ser gente
e marca em mim a transigente
alegoria da lua.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

de barro te moldei e dei-te vida
guardei em ti a luz e o calor
e do teu peito agreste fiz guarida
dum espírito fulgente e do amor.

deixei no teu olhar a mais sentida
volúpia de quimeras impensadas
e nos teus braços fortes retesadas
as cordas duma abrupta despedida.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

alentejo

a minha pátria tem cor
tem sons, cheiros, sabores
tem fragrâncias de licores
e sol que sabe a suor.

a minha pátria tem vida
tem sangue por nós vertido
e gente que traz consigo
o valor da despedida.
quando eu era grande esquecia o amor
perdia-me em formulas, destilava saber
e subia aos palcos sem me estremecer
sem voz embargada, sem qualquer rubor.

quando eu era grande conhecia o mundo
enumerava reis e brincava às embaixadas
e sabia que o mar é imenso e profundo
e que as suas areias são praias douradas.

quando eu era grande desconhecia o tempo.
mas um dia tornei-me pequeno, e foi então
que escutando só a voz do coração

deixei escorrer o tempo pela fresta
que espia circunspecta a noite escura
e ardi, como um poeta, de loucura
sentindo na garganta tal secura
que amar é tudo aquilo que resta.